quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Praça dos artistas

















A Praça dos Artistas


Era um final de tarde úmido, ensaiavam-se os primeiros respingos de chuva, a temperatura caia ao compasso monótono dos ponteiros do relógio, um clima típico de início de inverno em Paris. A frieza aguda insistia em aplacar o calor abrasador das emoções vividas, sem, todavia, auferir as grandes vitórias esperadas. Logo avistamos a Basílica de “Sacre-Court”, em Montmartre, uma bela igreja enraizada em um dos pontos mais altos e belos da cidade de luz.

Os corpos mesmo cansados, fatigados pelas idílicas peregrinações, se reanimavam com a perspectiva de inalar os ares artísticos e sentimentais daquele nobre e inusitado ambiente. As ruas estreitas, decoradas com tapetes de pedras, estirados à mercê do tempo, marcavam a passagem instintiva dos nossos anseios. Sem nos apercebermos, estávamos caminhando num lastro desprovido de dureza, pois esta seria uma percepção muito reticente à sensibilidade, mesmo a mais tênue das sensibilidades.

O que era rude se tornava convidativo, luxuoso, um chamamento aos corações abertos às maravilhas humanas.

Nos lados, emparelhadas, portentosamente, se viam pequenas galerias, de charme inigualável, lojas de “souvenires”, adornadas por diminutas calçadas, por onde perambulavam artistas anônimos por entre os passantes a oferecer seus serviços de retratamento de faces estáticas, porém radiantes.

Uma recepção de delicatesse urbana, que nos acolheu, então, na Praça dos Artistas, onde o enlevo se travestia numa realidade sublime, palpável aos olhos de humildes admiradores, de uma espécie de arte popular, pois apresentada por desconhecidos, mas sofisticada para o entendimento de um mero leigo extasiado.

Violinos tocavam como que orquestrando os pincéis a lamber as telas ansiosas por serem preenchidos com as imaginações do gênio humano, atrevido, irreverente, pois, divino. Não esquecerei o mendigo de violino em punho, acostado em seu quase desaquecido ombro, que ao escutar de meus lábios, subitamente acordados, o nome da terra tupiniquim, sem demora, como num impulso alvissareiro e irresistível, sob a ânsia de minha saudade, tocou, para o deleite dos transeuntes de muitos reinos, a deslumbrante “Aquarela do Brasil”. Era mais uma prova insofismável de nossa universal verve musical.

Foram momentos que me fizeram arrepiar, onde o êxtase apalpou minha pele trêmula, mas bem guardada pelos infindáveis tecidos e lãs coloridos. Sentia-me leve, tomado por um sentimento de felicidade plena, tranqüila, sutil.

São nesses lapsos temporais que minha incredulidade rende-se, se encabula, esquecendo-se de seus argumentos racionais e incisivos contra a grandiosidade da força maior. Só em lembrar, minha alma respira o ar de um nirvana mental, amansa a ansiedade, passeia por cima das angústias e mágoas antigas, bebendo da fonte magnânima do prazer espiritual.

Chuviscos nos obrigaram a adentrar em um dos bares circundantes daquele templo da arte, parecia uma trama, idealizada pelo anjo protetor, pois, assim, foi possível, apreciarmos de outro ângulo, ao sabor de um copo de chocolate quente e do típico croassant francês, a efervescência cultural e cosmopolita daquele nicho artístico.

Já tinha escurecido, quando nos levantamos da mesa, findava-se um mini-banquete, pois, assim, nos sentíamos, mais pelo alimento do espírito do que pelo deleite gastronômico.

Saíamos já com um gostinho de saudade, não a lembrança que se esvanece pela impossibilidade de retorno, mas a verdadeira saudade, como dizia o poeta, que deixa acesa a chama de esperança de novamente vivenciar aquela plaga mítica, plantada, agora, nos esconderijos das minhas mais profundas entranhas neurais.


Paris, 14 de novembro de 2000

André Agra Gomes de Lira

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