quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O Pagador de Promessas

Na obra de Dias Gomes é recorrente uma literatura em prol dos oprimidos, que traz em sua temática uma visão esquerdista de oposição a preceitos religiosos tradicionais.

Seus personagens simbolizam categorias representadas por opressores e oprimi-dos. Estes precisam seguir normas e regras impostas para não sofrerem conseqüências. No caso da personagem Zé do Burro de “O Pagador de Promessas”, este foi vítima de um algoz personificado por uma instituição religiosa.

A obra literária conta a história de um homem que mora no interior da Bahia, que faz uma promessa a Santa Bárbara para curar o seu melhor amigo, o burro Nicolau. Zé recorreu a um terreiro de Candomblé, pois na capela de sua cidade não tinha imagem da santa, que no sincretismo é Iansan, então Zé prometeu que se Nicolau ficasse bom ele carregaria uma cruz de madeira da roça até a igreja de Santa Bárbara em Salvador.

Sendo um personagem muito devoto e inocente, muitas pessoas se aproveitam da situação. Persistente, ele não abandonou a promessa, mas sofreu com a intolerância do padre e da polícia até chegar a um fim trágico.

A figura de Rosa também merece um olhar crítico. Pois bem. Dias Gomes segue a tradição judaico-cristã, pelo menos a mais ortodoxa, ao fazer da mulher objeto privilegiado à tentação sexual. Uma suposta reminiscência ao mito adâmico. Nesse sentido, haveria uma aproximação, parece-nos, entre Rosa e Eva Pecaminosa, no “bom” estilo agostiniano e sua cruel misoginia.
É um tema recorrente tanto na literatura como na dramaturgia, provavelmente “não” intencional, o qual termina por reforçar no imaginário popular a desconfiança sexual para com a mulher. Melhor, alimenta a crença em uma natureza sinuosa e maleável das filhas de Eva em matéria de moral sexual. Exceto, obviamente, as santas, as quais se aproximariam mais à imagem da Virgem Maria.

Uma herança edênica, segundo uma leitura interessada e a serviço de um patriarcalismo duradouro, como tal, androcêntrico. Presente nos discursos religiosos, desde a patrística e o pensamento de São Tomás de Aquino, e usado como pano de fundo à famosa caça às bruxas, bem como nos processos inquisitoriais. Algo infelizmente ainda bastante arraigado à cultura ocidental, não obstante os sinais perceptíveis de seu esgotamento, especialmente a partir do ano mítico de 68.

Importante ainda perceber-se o cafetão, de silhueta luciferiana, ou um “Exu”, na sua acepção mítica mais distorcida (e também mais popular), agindo com todas as suas artimanhas (demoníacas) a fim de levar a mulher ao pecado.

Nesse sentido, a inocência de Zé do Burro contrasta-se flagrantemente com a astúcia de Rosa. Alimentada pelos encantos de seu sedutor sexual. E isso é redundante na obra, o cafetão tem como certas a austeridade do pagador de promessas (o homem) e a solicitude de sua companheira para com os apelos mundanos.

Ora, o casal é retratado tendo a frente um homem afeito a honra e a religiosidade - no contexto de um hibridismo típico do catolicismo brasileiro-, na sua saga de herói, no caso mártir. Por isso a tentativa na obra de sua associação à figura do Cristo, o que nos lembra a teoria do imaginário de Durand.

Posteriormente, na trilha de um roteiro previsível (em função da ocorrência de mitemas) Zé do Burro é traído. Mas importante ressaltar que Rosa é levada por seu marido sem ser consultada, ou seja, também é tratada como objeto. E acompanha Zé do Burro por tradição (patriarcal). É desejada. Cede a tentação. E, ao final, reforça a ima-gem do homem honrado e inocente, e da mulher, a própria perfídia em pessoa.

André Agra e Ricardo Fabião

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