Falaremos em breves palavras sobre um tema ainda polêmico: a “masturbação feminina”. O faremos segundo pesquisas bibliográficas e entrevistas realizadas em cinco cidades nordestinas, com um total de 100 mulheres, incluindo-se as católicas carismáticas.
Primeiramente é bom que se diga: em quase todos os tempos de nossa história ocidental, a cultura criou um ambiente de intensa e doentia vigilância sobre a mulher. Um olhar destemido que se estenderia também ao seu “prazer solitário”, ou seja, a masturbação.
Não esqueçamos que a medicina e a igreja, aliadas aos “bons” costumes burgueses, fizeram por muito tempo uma marcação cerrada e impiedosa para se evitar o que consideravam um "vício abominável", o "supra sumo dos vícios".
Até textos bíblicos foram usados para solidificar essas posturas e “cuidados”. Um exemplo típico é a Carta aos Coríntios de Paulo: «os fracos (isto é, aqueles que ejaculam voluntariamente, sejam rapazes ou moças, sejam casados ou não casados) não possuirão o reino dos céus» (1Cor 6-10) (Jean Delumeau).
Tudo isso para embasar um pensamento moral no qual o gozo feminino não seria tolerado sem a presença masculina.
Nesse sentido, a hostilidade dos médicos do século XIX se voltaram para o clitóris – «simples instrumento de prazer e desnecessário à procriação». E médicos, padres e pais fariam uma verdadeira cruzada contra a masturbação (também conhecida como onanismo).
O exagero era tanto que alguns médicos viriam até na prática da equitação e no uso da máquina de costura (essa última denunciada pela Academia de Medicina em 1866), uma possibilidade da mulher encontrar o prazer no movimento das pernas (Corbin).
Próprio Philippe Pinel, médico francês considerado por muitos o pai da psiquiatria, defendia que as mulheres ficariam loucas irrecuperáveis mediante o exercício inapropriado da sexualidade, devassidão, propensão à masturbação e homossexualidade.
Por isso, até o início do século XX, acredita-ve que a masturbação seria causadora de doenças mentais (a histeria é um exemplo). Uma tese defendida por vários médicos, a despeito das descobertas de Freud (Mary del Priore).
Na realidade, a partir de Freud e da psicanálise começa-se a se justificar e amenizar a culpabilização dos desejos e das fantasias que provocaram por tanto tempo aflição nas mulheres e que eram estímulos à masturbação. O desejo, dito na linguagem clerical como demoníaco, passaria a ser tratado como um algo natural.
E no século XX, toda uma cultura começaria a ser arquitetada em cima dos conceitos de sexologia e orgasmoterapia. E ao contrário do passado, a masturbação feminina passa a ser prescrita científica e naturalmente como parte de um sistema de melhoria de vida das mulheres, ou seja, com fins terapêuticos. E sem mais nenhuma conotação de indecência ou de incentivo a perversão (Vicent).
A sexologia na realidade fez funcionar um sistema em que se defenderia abertamente a erotização e a legitimidade do prazer. Duas variáveis da sexualidade humana fundamentais, mas em contraposição flagrante à moral sexual pregada pela doutrina católica.
Notem que ainda hoje, para o Catecismo vigente da Igreja Católica, "o prazer sexual é considerado moralmente desordenado, quando é buscado por si mesmo, isolado das finalidades de procriação e união" (Catecismo).
Considerando que a definição do termo masturbação oferecido pelo documento vaticanício o situaria no contexto da «excitação voluntária dos órgãos genitais» com o fim exclusivo de conseguir um prazer venéreo, «o ato seria intrínseca e gravemente desordenado». Sem meias palavras, persistiria a condenação religiosa para esse tipo de prazer na contramão de toda uma ciência e dos costumes.
E isso de certa forma apareceu nas entrevistas, realizada em 2008, com mulheres de João Pessoa (PB), C. Grande (PB), Natal (RN), Recife (PE) e Salvador (BA).
Interessante observar que não tivemos dificuldades em abordar o tema nas entrevistas. Poderíamos até imaginar com isso um traço de abertura das mulheres (de quebra de tabu).
Interessante observar que não tivemos dificuldades em abordar o tema nas entrevistas. Poderíamos até imaginar com isso um traço de abertura das mulheres (de quebra de tabu).
Mas falemos dos resultados:
Pois bem. Sobre as respostas e comentários a respeito do tema masturbação, podemos afirmar que esse foi um divisor de águas bem nítido entre as mulheres mais afastadas do catolicismo e as mulheres carismáticas.
Ora, por mais que se fale em avanço da sexologia e da busca do prazer, a pesquisa demonstrou que muitas mulheres ainda associam a masturbação a algo errado ou desnecessário; um tabu ou até um pecado.
Em suma, reina ainda esse tabu cultural, pelo menos nos grupos de mulheres mais próximas do catolicismo. E entre as carismáticas, 89,29 % das entrevistadas consideram a masturbação um ato que visa exageradamente a sexualidade, por isso, um perigoso estímulo ao prazer sensual, que termina por se distanciar do "projeto de Deus".
Bem diferente é a percepção das mulheres mais afastadas do catolicismo. Para elas (mais de 82% das entrevistadas), o tema é visto dentro de uma perspectiva de naturalidade e de autoconhecimento (do corpo sexuado).
Essas mulheres pensam a masturbação como um ato comum inerente à natureza feminina e uma prática necessária ao desenvolvimento da sexualidade e autoconhecimento para as mulheres em geral.
Todavia, elas próprias às vezes apresentam sinais de culpa e desconforto em lidar ou assumir a prática; muitas inclusive, não obstante acharem normal, dizem não praticar isoladamente.
No fundo, os resultados mostraram que a masturbação é ainda um tabu cultural para muitas mulheres, especialmente, às ligadas aos movimentos carismáticos.
Jean Delumeau, O pecado e o medo: a culpabilização no Ocidente. Vincent, Gérard. História da vida privada. Alain Corbin; História da vida privada: a relação íntima ou os prazeres de troca. André Agra. Moral sexual: a mulher pós-moderna no Confessionário. Catecismo da Igreja Católica; Georges Vigarello, História do Corpo
Oi, André...
ResponderExcluirvirei depois com mais calma para dizer algo sobre o texto acima.
Mas há outra razão para minha visita...
estou passando aqui para lhe dizer que seu blogue está entre os meus 15 escolhidos ao Prêmio Dardos.
Todas as especificações sobre o prêmio está na última postagem do meu blog:
http://curvasdapalavra.blogspot.com/2010/05/premio-dardos.html
Passe lá para conferir.
Abração.
Ricardo.
Luciano Moura.
ResponderExcluirOlá andré, estou eu aqui na academia lendo teu texto quando de repente, fui interrompido pelo som da sala de dança, que por sinal, estava lotada de garotas dançando ao som de "baladas" instigantes e pulsantes como o funk, axé e outras muitas que estão na mídia. De repente, algo me chamou a atenção! Era uma griatria só, uma festa total. Um novo som colocado pelo professor levou as garotas ao delírio... prestando atenção na música, pude observar o conteúdo obsceno mascarado por "gírias" atuais. Todas as garotas, estimuladas pelo som, rebolavam, competiam entre si para ver quem tinha o melhor rebolado, desciam até o chão, simulavam o próprio ato sexual. Isso me fez pensar na relação existente entre essas "músicas" e a sexualidade feminina atual, sendo o auto prazer feminino um tabú até hoje, como você mesmo verificou, que papel, influência essas músicas teriam neste aspecto? Vamos debater o assunto posteriormente?
Abraço forte.
Luciano Moura.
Olá André,
ResponderExcluirMuito interessante a sua abordagem sobre um assunto tão polêmico e por muitas vezes mascarado.A libertação dos contumes é muito difícil de ser inserida,mesmo nos tempos atuais,onde nós mulheres somos de certa forma incentivadas "sem culpas" ao auto prazer femininino, e por outro lado castradas pelos nossos costumes.Também me pergunto como pensam os homens a esse respeito,onde sei que há uma difícil coompreensão para alguns parceiros que se sentem desprestigiados e confusos com a busca da mulher pelo prazer do seu próprio prazer.
Olá, meu caro André, gostei de seu blog. Seus textos são bem desenvolvidos, isto é, desenrolados, e você escolhe temas interessantes. Meus parabéns. Virei sempre que houver novos.
ResponderExcluirOutra coisa: notei que você foi escolhido pelo caro Fabião ao Prêmio Dardos. Eu também. Passe lá no meu blog, se lhe apetecer.
Abraço,
Rodrigo
rodrigoepoesia.blogspot.com
André, passei e adorei seu espaço. Um belo post sobre a masturbação vista pelo prisma eclesiástico. A Igreja abomina esse ato, pois não aceita concorrência com a 'masturbação mental' feita por ela ao longo da história.
ResponderExcluirParabéns por esse compêndio cultural.
A pesquisa sobre masturbação feminina e a moral católica revela o quanto as terráqueas ainda estão sob o julgo de uma religião. Relendo um trecho do livro "A casa dso budas ditosos",mais precisamente págs. 131 e 132, me detenho, não é um relato de mais alguma sacanagem, é opensamento do autor sobre porque lemos esses romances, a primeira intenção seria como que para olhar pelo buraco da fechadura e ver se somos únicos em nossos devaneios ou somos todos iguais. A segunda intenção, me parece mais do autor, e para o leitor uma consequência, provocar muita tesãoem todos, principalmente nas mulheres, todas iguais segundo sua visão da sexualidade feminina e a terceira seria conhecer e ouvir os comentários das leitoras, suas críticas, negações, tudo falsidade,ou falta de oportunidade, segundo ele;e por fim lembra que tudo o que fez não fez sozinho, nem com nenhum marciano...O autor segue resumindo o que aprendeu com sua vasta experiência, sem ordem de importância: quase todo mundo tem alguma obsessão sexual, ou várias, é possível seduzir toda e qualquer pessoa, e colocando em palavras mais leves, não somos machos nem fêmeas, somos ambos, humanos.
ResponderExcluirSimoni Cavalcanti (enviado por e-mail)
Olá André,
ResponderExcluirPenso que as questões que envolvem a sexualidade sempre despertam muita curiosidade. Talvez gerada pelo interesse em reconhecer como naturais os sentimentos que brotam no íntimo de nosso ser, pois, nós mulheres, como você tão bem explanou, fomos muito castradas devido a nossa cultura e, por este motivo, o sentimento de culpa acaba por nos corroer se dermos “ouvidos” ao nosso superego. Chega uma fase na vida que nos perguntamos: até que ponto vale a pena ficarmos presas em tabus? Até que ponto vale a pena adentrarmos na toca do coelho e explorar o que há lá dentro?
Sobre o que seria pecado neste contexto, fico com a citação de Paul Solomon “Esses atos são errados quando não partilhados no amor. Esses atos são errados quando egoístas. Esses atos são bons, quando geram o compartilhamento entre almas.”
André...
ResponderExcluirdepois volto para falar sobre a postagem acima.
Há outro presentinho para você lá no meu blog. Passa lá.
Abração.
Ricsardo.
(Ei, estou trabalhando no texto... não esquenta!)
OLA ANDRE, PARABENS PELO TEXTO. EDUARDO FAUSTINO
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