Sátiros
As ruas estavam abarrotadas de gente, naquela tarde quente de verão, o congestionamento intenso de carros, com seus gases poluentes, tornava quase impraticável a respiração. A pobre flâmula da tranquilidade, ente estranho àquela convulsão, era negada até nas sombras mais afastadas. Era o estresse típico dos tempos modernos se encorpando monstruoso nos apáticos semblantes dos transeuntes. Um arranjo citadino que tornava o meio urbano um lugar inóspito e insalubre. E, como tal, denunciando uma civilização cansada, doentia, e cada vez mais carente do contato imprescindível com a natureza.
Alheia a toda essa neurótica conjuntura, sentada a beira de uma espaçosa janela, situada no oitavo andar de um imponente edifício, estava a figura pensativa e compenetrada de uma jovem mulher. Sua silhueta no vidro se abstraia incólume às visões lúgubres do clima lá de baixo, sua suavidade e beleza, imperceptíveis em virtude da madrasta distância, ocultava aquele enlevo, quase perdido, clamando para ser achada.
Era Helena, uma mulher meio fora de seu tempo, de aparência calma e misteriosa, e de profunda inquietação em seus pensamentos. Sua curiosidade por desvendar a psique humana, a fez, ultimamente, se aventurar num estudo sobre o prazer sexual. Em suas facetas mais variadas, em suas formas mais grotescas e sofisticadas de repressão. Arriscava-se, assim, a decifrá-lo, dissecar esse elemento primordial da vida, de modo a entender melhor sua mente, seus desejos, seus conflitos internos.
Sabia, no entanto, para sua tristeza, que o caos e a superficialidade das relações humanas reinavam com pungência, com arrogância. Lançando pesados fardos à vida dos que buscavam e ainda acreditavam que o supra-sumo do deleite, dos encantos puros da alma, habitava nas fontes naturais, nas sensibilidades primitivas do homem, e não no exorbitante apego a um mundo efêmero e materialista, onde o consumo sofisticado - a grande vedete da sociedade - é inacessível à maioria, porém adorado por quase todos. E temia que o prazer mais arcaico virasse mais um produto de consumo em meio a um hedonismo pós-moderno.
Dos tempos edenistas, compreendia restar apenas resquícios. Mas essa cinza (entendia ela) residia e resistia impregnada numa região profunda da consciência, que alguns céticos entendiam intocável, inalterável. E na qual montanhas de sombras impediam que os sinais externos adentrassem, conquistassem-na, subjugando-a. Pensava ser daí a possibilidade de resgate de uma concepção de vida mais prazerosa, pois mais apegada às raízes, ao berço dos instintos. Bastava não ter receio de se entregar, de deixar o inconsciente se pronunciar .
Por isso admirava tanto o incompreendido e enigmático Nietzsche , que massacrava com seus aforismos a lógica do comum, o culto à razão, à passividade, o temor à verdade. Ao passo, que pregava um soerguimento do homem, seu endeusamento, através do inaudível, da música, do respeito aos instintos, os quais considerava mais sólidos que as culturas.
Era, então nessas horas que Helena vibrava, indagando-se, sorridente, se não seria plausível afugentar o receio do incontrolável. Do irracional que pulula em nossas mentes, que inebria os desejos mais inconfessáveis. Enfrentando sem medo as verdades escondidas, os conflitos interiores. Munida da poderosa “sabedoria dionisíaca ”, na forja, tal qual Epimeteu , de um super-homem (além-homem) nietzcheniano, sem deuses a temer. Sendo ele próprio um Deus .
Isso a fazia entregar-se, por um breve instante, à exaltação, à reverência empolgada, como se curvando à famosa asseveração do pai da psicanálise a qual situava o princípio do prazer como único norteador dos objetivos da vida, talvez um exagero permitido a um gênio.
Entretanto, Helena era astuta o suficiente para não deixar de reconhecer, mesmo relutando, a importância do amoldamento do princípio do prazer ao sistema moral, criado e instaurado pelo homem. Como condição fundamental de construção dos pilares básicos da civilização, de sua própria essência social. Ora, o princípio do prazer é acima de tudo arredio, instável, não distinguindo limites, prorrogações e muito menos o outro, o próximo, não se podendo identificar, portanto, irrestritamente, suas demandas com os desígnios de uma “vida feliz”.
Nesse intenso devaneio, a irrequieta Helena, já fora do senso da matéria, tentava entranhar-se mais na questão. E perguntava-se o que seria realmente o prazer, estar-se-ia a falar de prazeres do espírito ou do corpo, ou de sua “perfeita” adequação em prol da felicidade etérea, ideal.
Imaginava o pensamento aristotélico o qual enaltecia com veemência os prazeres do espírito . Considerando-os “a atividade perfeita”, a qual levaria o homem ao êxtase, aos píncaros do sentimento. Num espaço bem próximo ao divino. Capaz, inclusive, de propiciar as condições necessárias para superar a tentação ostensiva e poderosa dos prazeres da carne.
As ruas estavam abarrotadas de gente, naquela tarde quente de verão, o congestionamento intenso de carros, com seus gases poluentes, tornava quase impraticável a respiração. A pobre flâmula da tranquilidade, ente estranho àquela convulsão, era negada até nas sombras mais afastadas. Era o estresse típico dos tempos modernos se encorpando monstruoso nos apáticos semblantes dos transeuntes. Um arranjo citadino que tornava o meio urbano um lugar inóspito e insalubre. E, como tal, denunciando uma civilização cansada, doentia, e cada vez mais carente do contato imprescindível com a natureza.
Alheia a toda essa neurótica conjuntura, sentada a beira de uma espaçosa janela, situada no oitavo andar de um imponente edifício, estava a figura pensativa e compenetrada de uma jovem mulher. Sua silhueta no vidro se abstraia incólume às visões lúgubres do clima lá de baixo, sua suavidade e beleza, imperceptíveis em virtude da madrasta distância, ocultava aquele enlevo, quase perdido, clamando para ser achada.
Era Helena, uma mulher meio fora de seu tempo, de aparência calma e misteriosa, e de profunda inquietação em seus pensamentos. Sua curiosidade por desvendar a psique humana, a fez, ultimamente, se aventurar num estudo sobre o prazer sexual. Em suas facetas mais variadas, em suas formas mais grotescas e sofisticadas de repressão. Arriscava-se, assim, a decifrá-lo, dissecar esse elemento primordial da vida, de modo a entender melhor sua mente, seus desejos, seus conflitos internos.
Sabia, no entanto, para sua tristeza, que o caos e a superficialidade das relações humanas reinavam com pungência, com arrogância. Lançando pesados fardos à vida dos que buscavam e ainda acreditavam que o supra-sumo do deleite, dos encantos puros da alma, habitava nas fontes naturais, nas sensibilidades primitivas do homem, e não no exorbitante apego a um mundo efêmero e materialista, onde o consumo sofisticado - a grande vedete da sociedade - é inacessível à maioria, porém adorado por quase todos. E temia que o prazer mais arcaico virasse mais um produto de consumo em meio a um hedonismo pós-moderno.
Dos tempos edenistas, compreendia restar apenas resquícios. Mas essa cinza (entendia ela) residia e resistia impregnada numa região profunda da consciência, que alguns céticos entendiam intocável, inalterável. E na qual montanhas de sombras impediam que os sinais externos adentrassem, conquistassem-na, subjugando-a. Pensava ser daí a possibilidade de resgate de uma concepção de vida mais prazerosa, pois mais apegada às raízes, ao berço dos instintos. Bastava não ter receio de se entregar, de deixar o inconsciente se pronunciar .
Por isso admirava tanto o incompreendido e enigmático Nietzsche , que massacrava com seus aforismos a lógica do comum, o culto à razão, à passividade, o temor à verdade. Ao passo, que pregava um soerguimento do homem, seu endeusamento, através do inaudível, da música, do respeito aos instintos, os quais considerava mais sólidos que as culturas.
Era, então nessas horas que Helena vibrava, indagando-se, sorridente, se não seria plausível afugentar o receio do incontrolável. Do irracional que pulula em nossas mentes, que inebria os desejos mais inconfessáveis. Enfrentando sem medo as verdades escondidas, os conflitos interiores. Munida da poderosa “sabedoria dionisíaca ”, na forja, tal qual Epimeteu , de um super-homem (além-homem) nietzcheniano, sem deuses a temer. Sendo ele próprio um Deus .
Isso a fazia entregar-se, por um breve instante, à exaltação, à reverência empolgada, como se curvando à famosa asseveração do pai da psicanálise a qual situava o princípio do prazer como único norteador dos objetivos da vida, talvez um exagero permitido a um gênio.
Entretanto, Helena era astuta o suficiente para não deixar de reconhecer, mesmo relutando, a importância do amoldamento do princípio do prazer ao sistema moral, criado e instaurado pelo homem. Como condição fundamental de construção dos pilares básicos da civilização, de sua própria essência social. Ora, o princípio do prazer é acima de tudo arredio, instável, não distinguindo limites, prorrogações e muito menos o outro, o próximo, não se podendo identificar, portanto, irrestritamente, suas demandas com os desígnios de uma “vida feliz”.
Nesse intenso devaneio, a irrequieta Helena, já fora do senso da matéria, tentava entranhar-se mais na questão. E perguntava-se o que seria realmente o prazer, estar-se-ia a falar de prazeres do espírito ou do corpo, ou de sua “perfeita” adequação em prol da felicidade etérea, ideal.
Imaginava o pensamento aristotélico o qual enaltecia com veemência os prazeres do espírito . Considerando-os “a atividade perfeita”, a qual levaria o homem ao êxtase, aos píncaros do sentimento. Num espaço bem próximo ao divino. Capaz, inclusive, de propiciar as condições necessárias para superar a tentação ostensiva e poderosa dos prazeres da carne.
Uma espécie de ressurreição do pensamento de Orfeu , o tocador da lira encantada que fazia os carvalhos curvarem-se em deferência à sua música. Mas não deixaria de enfatizar que Aristóteles não pregava, como mais tarde os Cristãos, o absurdo do banimento dos prazeres corporais ou mesmo a sua condenação. Santo
Agostinho, por exemplo, ícone da Igreja Católica, afirmava que a relação sexual é um ato passível de culpa e precisa de uma justificativa: a procriação. Como tal, o sexo seria necessariamente sinônimo de procriação. Mais do que isso era afrontar os mandamentos divinos.
Nesse aspecto, Helena sempre fazia questão de suscitar como seria irreal o homem se livrar de suas emoções, de seus impulsos inconscientes, de sua sede de prazer. Embarcaria, assim por dizer, numa escalada de extravagância incomensurável, com repercussões nefastas ao mínimo do que se possa chamar de felicidade.
Contudo, sabia que boa parte da sociedade tratava o tema de forma bastante diferente de seu raciocínio. A opressão, aterradora e eficaz, sempre cativava adeptos, fazendo notórios estragos à vida das pessoas. Por isso, temia, como nunca, a força sempre renovável da moralidade excessiva – a velha, persistente e impiedosa moral, que tanto castrou ao longo dos tempos, e tanta melancolia e infortúnios neuróticos fez brotar na mente de homens e, especialmente, nas mulheres, que se consumiram por sentimentos de culpa, enlouquecidos e desastrosos.
Criaturas que se aproximavam da chama divina do prazer, com a pele ávida por emoções singelas, pois, humanas e irreprimíveis. Mas que eram perseguidas e excluídas pelas filosofias de interesse, as quais desvirtuavam o sentido das reações naturais, chamando-as de pecados mortais, tornando-as imperdoáveis.
Instituíam e ditavam os dogmas e os comportamentos, criando exegeses religiosas, códigos de posturas e leis universais. Usando, em grande equívoco, como arcabouço de inspiração, a anuência e orientação do morador onipotente do último círculo do céu, chamado por Dante de “Primo Móbile” . Como se a essência do amor, o Deus da ternura, perpetrasse a crueldade, a intolerância, e arquitetasse um império sob a mitra do medo, do temor, distanciado dos prazeres sensuais, que Ele próprio os criou.
Tudo isso era motivo de sua preocupação, de sua consternação. Não era à toa, que a chamavam exótica, mas, no fundo, era uma pessoa especial, combativa e altruísta, que não vivia passivamente, lutava por seu ideário.
Reconhecia sua pequenez (era apenas um grão de areia), mas se agarrava à utopia, a boa utopia, ao enxergar a mudança de algumas das regras pétreas vigentes, já nessa geração. E para isso ousava se atirar em lides públicas com notáveis moralistas, com “conceituados cidadãos”, empunhando o lábaro da libertação, da admissibilidade de um prazer mais amplo.
Sabia, entretanto, que sua tarefa era hercúlea, que não comportava soluções peremptórias, irrefutáveis, e precisava, antes de qualquer coisa, superar um óbice importante da questão: definir em que dose se daria essa liberação.
Esse era um ponto que a aturdia, incomodava-a, pois, se houvesse uma entrega, sem barreiras, ao gozo, ao deleite, provavelmente a sociedade sofreria um processo de desintegração, uma revolução niilista . Freud, já alertara sobre isso, quando dizia: “se o princípio do prazer dominasse sem restrições o funcionamento psíquico nos conduziria rapidamente à morte, ao repouso sem tensões, e não à felicidade”.
Helena, insistia, às vezes, em enamorar essa liberalidade radical, de permissibilidade expressiva, atendendo, sem censura, aos apelos intrínsecos do seu eu. Na verdade, era um exercício teórico que a permitia construir soluções, estratégias, através do tatear o extremo, além do mais, isso a fazia relaxar, soltá-la, purgar suas desilusões, seus desencantos.
Sua busca, portanto, servia-lhe de terapia, de catarse , aliviando muitas de suas tensões, de seus recalques, como se chegasse a um orgasmo intelectivo.
Mas mesmo em pensamentos, em exercícios meditativos, a realidade e os fatos se impunham. Jogavam-se a sua frente. E em quantas ocasiões ela já tinha constatado, talvez a seu contragosto, de sair-se melhor quem contemporizou às súplicas da carne, buscou a felicidade e os prazeres “possíveis”, dentro dos pactos e tabus impostos pela civilização.
Tudo isso a deixava atônita, perdida, inerte perante abstrações e objetivos tão altaneiros. Repetia, de seu modo, a eterna luta de Sísifo , erguendo arduamente a pedra ao ápice, para em seguida diante do surgimento de uma nova inteligência, uma nova linha de pensamento, quando se pensava finda a empreitada, retornar à base, aos pés do rochedo. Todavia, agora, com o risco de ser esmagada pela pedra volumosa e incontrolável do acordo médio e determinante do “comum”.
E assim ia se aprofundando em suas excursões mentais, sem perceber, no entanto, que os deuses tinham resolvido apimentar seu vagar no abstrato, com doses poderosas de realismo, queriam, portanto, testar na prática a interpretação de Helena concernente à ética do prazer, ou mesmo dar-lhe luzes para ajudá-la a desvendar suas inquietações filosóficas.
E não demorou muito, alguém bateu a sua porta, assustando-a, fazendo descer novamente ao mundo, sentir o chão tocar-lhe os pés, acordando-a. Dirige-se, então, lentamente à entrada de seu aconchegante apartamento e pergunta quem está do outro lado. Responde uma voz suave e pausada, identificando-se e pedindo ajuda.
Era Tália, prima de sua vizinha, há tempos atrás se encontraram algumas vezes, na tenra juventude, elas, apesar de pouco contato, nas oportunidades que estiveram juntas, demonstravam uma afinidade muito grande. Uma vez conversando com sua vizinha, contara-lhe que quando passeava com Tália, os meninos não paravam de assediá-las, já eram muito bonitas, o que despertava os olhares mais indiscretos e desejosos.
No entanto, ao abrir-se a porta, não mais surge a adolescente, mas uma bela mulher, de olhos amendoados, cabelos negros, pele macia, um pouco suada, vestida leve e transparentemente. Denunciando, sem melindres, um corpo escultural, de pernas rijas e definidas, insinuando um abdômen irretocável, e seios que insistiam em penetrar o tecido mole, como que se negando a permanecer na clausura frágil, querendo respirar, se mostrar ao vento.
A sensualidade manifesta de Tália provocou reações inusitadas em Helena, deixou-a desconcertada, experimentava, na prática, um sentimento estranho por uma outra mulher, não que nunca tivesse pensado, ou fantasiado tal sensação, mas agora sentia na carne. Espantava-se, assustava-se, pois vivenciava, sem saber, a excitação pura. Não adiantava explicar o que se sucedia naquele instante mágico, tudo estava acontecendo muito rápido, e sua mente sofreu uma espécie de lapso entorpecido.
Pois quando pensava ter, enfim, descido de seu mundo de perquirições filosóficas sobre o prazer, voltava abruptamente ao êxtase, invertendo o caminho aristotélico, passando da subjetividade do pensamento ao estonteamento carnal, numa brevidade assustadora, e mais inusitada, pois direcionava seu objeto de desejo para uma mulher desconhecida.
Firmou-se, então, um silêncio paradisíaco, pois a inusitada sensação parecia ser recíproca, a visitante inesperada dava sinais de intensificar o seu calor. Sua pele assumira uma coloração mais rubra, a respiração aprofundara-se, o coração batia mais rápido, escorriam pelo seu belo corpo pequenas gotas de suor, quase imperceptíveis, se não existissem olhos muitos atentos a flagrar o surgimento de úmidas marcas, deixadas, como de propósito, ao longo de suas delicadas curvas.
Restava às duas, depois desses eternos e luxuriantes segundos, somente suspirar e impor um desfecho mais controlável para a situação. Era a exigência do superego em detrimento dos impulsos inconscientes, dominadores imperiosos daquele encontro, que pelo jeito, não se dariam por vencidos facilmente, foram segundos tão intensos que a fala demorou a sair.
Tália, depois de cumprimentá-la com ardor, explica-lhe sua situação, viera passar uma noite na casa de sua prima, antes de viajar ao exterior com seu marido, todavia, não estava conseguindo ligar a energia do apartamento, e tinha, então, decidido solicitar a ajuda da vizinha, nem imaginava que Helena ainda morava ali.
Helena, já mais relaxada, informa que tinha havido uma pane elétrica no prédio e em todos os apartamentos se fizeram necessários reparos, como sua vizinha não estava e não tinha deixado as chaves, não fora efetuada a sua ligação, o que só poderia ocorrer, agora, no dia seguinte.
Helena, na sua espontaneidade, convida-a a pernoitar em sua casa, tendo em vista o empecilho criado, informou-a que as noites estavam muito quentes, do inconveniente de se dormir sem ar-condicionado. Seria, realmente, bastante desconfortável. Além disso, apesar de muito tempo, ainda guardava uma admiração muito grande por ela, e sentia-se na obrigação de acolhê-los.
Não foi preciso ir muito longe, poucos argumentos foram necessários, Tália aceitou o convite, na realidade, a decisão fora mais de sua libido , motivado pelo jogo de sensações estabelecido entre as duas.
Ela voltou para o apartamento da prima para avisar ao seu marido sobre a mudança de planos para aquela noite e contou-lhe da grata surpresa do seu reencontro com Helena. Sem questionar muito o epílogo suscitado, nem, por outro lado, valorizar, talvez por desatenção, o novo estado de espírito que transbordava, sem comedimentos, de sua sensual parceira, Adônis sugere, então, irem buscar as malas, quando Helena aparece à porta, apresentando-se, numa espécie de ingenuidade premeditada, tentando disfarçar um semblante inocente, porém embebido de desejos latentes.
Perspicazes, os olhos de Adônis, mesmo de forma tímida, não deixaram de notar a beleza estonteante de Helena, nem um certo ar de cumplicidade instaurado entre as duas.
Adônis se dirige para cumprimentá-la, segura-a delicadamente na cintura, esbelta como as das mulheres de Creta , seus olhos se encontram por um breve instante, os corpos, entretanto, se aproximam a uma distância onde o contato é inevitável, beija-a em uma das faces, já aspirando uma fragrância suave e ao mesmo tempo desconcertante, uma mistura de transpiração, perfume de flores e cheiro de excitação. No entanto, ao movimentar seu rosto em direção à outra face, por um descuido involuntário, ou preparado propositadamente por Afrodite , toca, levemente, a sua boca na parte superior dos lábios de Helena, suas peles se encontram, provocando uma sensação de intimidade deflagrada.
Sua esposa observava tudo, porém sem o comum e esperado sentimento de contrariedade, de um pouco de ciúmes, como seria natural. Um clima deveras estimulante já se estabelecera no ambiente, e a ansiedade pelo que poderia acontecer provocava uma certa dose de nervosismo, explícita nos três, como se aquele mundo se transformasse num templo hedonista .
Helena resolveu, por seu turno, acalmar os ânimos, mostrando uma prática incompatível com suas ideias mais arrojadas, mas foi a reação que ela tomou, talvez para brincar com os deuses, talvez para assumir o controle da situação, mesmo decepcionando os seus instintos. E sugeriu ao casal levar as malas para o seu apartamento, pois já tinham penado o bastante com o inconveniente ocorrido.
Aliás, estava anoitecendo, os últimos clarões do sol mesmo resistindo bravamente, se estertoravam. O pretume celestial penetrava destemido no horizonte, conduzido pelo sorriso prateado de Diana - a deusa da lua - ainda sem a imponência que lhe é peculiar, notadamente naquelas noites de verão, mas já mostrando sua beleza reluzente.
O casal, enfim, trouxe as bagagens e foi se acomodar no quarto indicado por Helena, que os deixou à vontade, sabia que eles estavam exaustos, e todos estavam precisando de uma trégua.
Ela se dirige, então, à varanda, querendo respirar. Estava confusa, tentava digerir, entender aquele sentimento avassalador para com seus atraentes hóspedes. Olhou para o horizonte para apreciar o esplendor da natureza, como que solicitando ajuda, alguma mão salvadora que a tirasse dos braços envolventes da tentação, sem precisar seguir o irreverente ditame de Oscar Wilde, o qual exortava, para indignação de muitos, que a única forma de vencer a tentação era cedendo a ela.
Mas os deuses, pelo jeito, não a deixariam em paz facilmente, parecia uma espécie de acordo entre os céus e o âmago de Helena, para não deixá-la apagar as fogueiras de seu corpo, de sua mente.
E o firmamento, ao invés de sossegá-la, faz-na retomar sua viagem, seu devaneio. Sua mente, então, recria, como que sugerindo saídas prazerosas para o seu dilema sensual, imagens dos cultos da fertilidade, antigas celebrações em homenagem às divindades femininas, verdadeiras epifanias de prazer, onde o primitivismo das relações sexuais em grupo se firmava como um instante sagrado, tutelado pelos deuses ancestrais, e sem a inibição dos sistemas morais inventados pelo homem e seus novos deuses.
Seus olhos fechados vislumbram, sob suspiros relaxantes, aqueles corpos desnudos, vigorosos, se misturando sob a luz do luar, jactando torrentes de orgasmos, num êxtase inigualável, pois, natural, desinibido e animista. Helena, fica um pouco tensa, pois não encontra guarida para o seu frágil pudor. Existem ocasiões onde o confronto com os instintos é impraticável. Resolve não mais olhar o crepúsculo, e vai ao seu quarto para tomar banho.
Enquanto isso, o casal arrumava suas bagagens no quarto de hóspede, quase sem falar, vez que tomados por uma sensação de timidez e vergonha, ante o que vinha ocorrendo. Nenhum dos dois conseguia falar de outro assunto, e o que desejavam conversar, faltavam-lhes coragem, sobravam-lhes, entretanto, a vontade quase explícita nos seus rostos, nas suas peles, nos seus sexos. Forjou-se uma volição muda e irresistível que poderia aflorar incontrolável a qualquer instante.
O Leviatã da consciência, já enfraquecido, sentia perder o domínio da situação, o breve futuro poderia ser caótico para seu poder de mando, e os corpos sentindo a guarda baixar, aos poucos, iniciavam uma rebelião, um processo de libertação de desejos e fantasias antes adormecidos.
As palavras não emergiram, nem precisavam, não era tempo de retórica, mas de ação, pois assim exigia o anseio erótico - majestade inconteste daquele momento. Adônis abandona a sua passividade inquietante e destrona o silêncio da alcova. Rendera-se, enfim, aos seus impulsos, deixando a temperatura, há pouco contida, insuflar seus movimentos.
Suas mãos procuram o corpo de sua esposa, segurando-a firmemente naquela cintura sinuosa, e puxa-a, bruscamente, de encontro ao seu corpo, beijando-a ofegante e ininterruptamente. A blusa de sua amante, já entreaberta e desinibida, faz desabrochar os seus belos seios, que de imediato são apalpados com uma espécie de bruteza suave e permitida pela seiva do desejo.
Os inertes panos são rasgados, arrancados, deixando parte de seu corpo nu. Adônis não resiste, e começa a passar seus lábios umedecidos nos seios de Tália, mordendo as suas aréolas rosadas, ela respira fundo, fecha os olhos e lambe seus próprios lábios, dá, em seguida, um pequeno grito quando o seu marido desce, deslizando a língua, até o final de sua barriga. A lascívia dessa intensa agitação romantizada faz-nos perder o fôlego, suspirarem sem controle. O sexo dele deveras excitado põe-se a saltar da calça, encostando-se à intimidade molhada de Tália.
Esta, então, já totalmente tomada pela ardência do prazer, puxa-o para o toalete, arrastando-o, sem, contudo, deixar os corpos se separarem, liga o chuveiro e entram debaixo de uma ducha morna e intensa, transam tão ardentemente que os gritos de gozo extrapolam as paredes do quarto, ecoando por boa parte do apartamento.
Helena, que estava prestes a tomar o seu banho, escolhia um “cd” de música clássica, como sempre gostava de fazer antes de suas demoradas duchas, quando de repente escuta os sons inusitados reverberando das paredes vizinhas. A barreira física não era capaz de conter a ardência sensual que se verbalizava em forma de um dialeto decifrável e admirado por ouvidos propensos à bem vinda captação.
Não resistindo, ela se deita imediatamente na sua confortável e extensa cama, e entre os lençóis brancos, se despe vagarosamente, começando a se tocar, acariciar suas coxas macias, passando os dedos pela boca umedecida, encostando-os na sua língua e chupando-os. Depois desce as duas mãos pela sua barriga rija até encontrar seu sexo, que umedecido aguardava já impaciente o toque fatídico e orgástico. Gozou como poucas vezes na sua vida, nunca uma masturbação foi tão prazerosa e real.
A sensação foi tão marcante que a assustou um pouco, temeu o desenlace que poderia ocorrer naquela noite. O pós-gozo tinha amainado a libido, e a razão tinha se recuperado, não com toda força, não obstante, conseguia impor já alguma limitação ao turbilhão de desejos aflorados da mente de Helena.
Uma hora depois, estavam os três sentados à mesa se deliciando com os apetitosos pratos encomendados por Helena, entre olhares discretos e indiscretos. Parecia que nada tinha acontecido com eles. Entretanto, era só impressão, pois os três estavam na realidade disfarçando, escondendo a todo custo aspirações ocultas, suas mentes hospedavam um confronto inaudível. Seus corações palpitavam sensações vibrantes tentando debelar a inibição sempre recorrente.
Estava, novamente, enfileiradas as tropas, o combate era iminente, de um lado a razão, de outro a emoção, e na faixa intermediária, mil e um pensamentos indecisos, parciais, os elementos híbridos essenciais, refutando o radical maniqueísmo e indicando o sugestivo final aquele inusitado encontro casual.
Adônis não deixara de elogiar a indumentária de Helena, seu vestido de alças branca, ostensivamente transparente, mostrando uma langerie da mesma cor, composta de peças diminutas que marcavam de forma provocante todo o seu corpo.
Estas foram percebidas o tempo todo pelo casal, e mais flagrantemente quando Adônis puxou a cadeira para ela sentar-se, seus olhos se fixaram na formosura da suas nádegas salientes penetrada por ínfima peça rendada. Seu cabelo ainda molhado deixava escorrer de suas costas pequenas gotículas de água que deslizavam por sua pele bronzeada. O seu perfume suave fê-lo suspirar.
A conversa começou a tomar um rumo mais ousado, quando Tália elogiou a beleza da escultura de um corpo nu que estava em cima de um aparador de granito, localizado ao lado da mesa de jantar. Helena agradeceu o gesto de sua convidada e falou a respeito de sua paixão pelas obras de arte, notadamente as relacionadas à era gloriosa da humanidade, como assim definia a renascença italiana, época em que artistas, filósofos, poetas e príncipes se dedicaram a uma causa comum, cada um em suas respectivas áreas, a propiciar uma expressão de perfeição a realidade terrestre.
Disse sentir uma emoção radiante ao adentrar num mundo onde até os mármores frios faziam transbordar sentimentalidade suspirantes, e atingir, suntuoso e elegantemente, uma culminância estética inigualável. Fez comentários com uma fluência típica de uma estudiosa no assunto, mas de forma branda, assimilável por leigos.
Enfatizou com veemência a perfeição de esculturas como a de Moisés, de Baco, de Davi, concebidas pela habilidade prodigiosa do grande escultor da Toscana, depois adotado pelos florentinos, Michelangelo Buonarroti. Falou das obras de Donatello, de Giovanni...
No meio de sua animada explanação, Adônis a indaga a respeito da insistência nessa época de se retratar à mitologia grega, tanto em esculturas como em pinturas. Helena, então, explica-lhe que os mitos criados em torno de deuses e semideuses, no passado, expressavam as virtudes e os vícios do homem, de uma forma alegórica e expressiva. E numa época em que se pensava que o homem atingiria a perfeição pela razão, pelo conhecimento, nada melhor do que os ícones sagrados dos céus da Tessália para vislumbrar tal paraíso.
O belo levado ao êxtase, aos píncaros da admiração humana, se associava a uma libertação, a um afrouxamento da moralidade excessiva, cultuada nos tempos imediatamente anteriores, a chamada idade das trevas (medieval), época onde se condenava o prazer, até o riso, como tão bem retratara Umberto Eco, em “O Nome da Rosa”. Verdadeira blasfêmia para o pensamento de Voltaire , pois achava que se não fosse possível rir, todo homem inteligente acabaria se enforcando.
Tália interfere, educadamente, na explanação de sua anfitriã, e demonstra um interesse especial pela escultura do Baco de Michelangelo, o famoso deus do Vinho. Tinha-o visto, pela primeira vez, num livro sobre História das Artes, e se impressionara com aquela imagem enigmática, segundo sua percepção, com um sátiro agarrado em suas pernas, segurando na mão direita um vaso e na mão esquerda um cacho de uvas e uma pele de tigre.
Helena de pronto se empolgou com a intervenção, respirou um pouco, riu meio disfarçadamente, e comentou já com um ar diferente, rosando sua face - a delatora contumaz do tímido. Disse que este também era conhecido por Dionísio, ou Dioniso, o patrono dos prazeres, que a escultura era guardada num museu em Florença, uma peça feita de um bloco de mármore único, representando uma fusão maravilhosa, por unir à elegância do jovem homem e formas femininas, curvas e carnudas.
Aludiu a observação de Giorgio Vasari que a via como uma imagem hermafrodita, uma surpreendente mistura de dois sexos, docilidade flexível de adolescente e plenitude de formas de mulher. Não deixou de citar a obra clássica de Eurípedes, na qual são descritos os rituais de orgia, onde as bacantes, mulheres tomadas por um êxtase selvagem, sob os auspícios do delírio báquico, se encontravam a cada dois anos, nas florestas cobertas de neves, sumariamente vestidas, pés descalços, empunhando seus tirsos e coroadas com Heras, dilacerando e comendo animais para celebrar as festas em homenagem ao deus do prazer, o senhor da vitalidade agreste. Sendo daí a origem do termo bacanal.
Essas últimas palavras proferidas, no tom e com olhar utilizados por Helena, serviram de estopim para a formação de um clima abrasador, a temperatura corporal dos três se elevara rapidamente, o fatídico impulso foi acionado, a razão estremeceu derrotada, nada mais seguraria as ações vindouras.
Adônis não se controlara durante o passeio mitológico propiciado pelas palavras de Helena, passava o tempo todo à mão nas pernas de sua esposa, tocando-a por cima do lingerie, esta, por outro lado, vez em quando suspirava, mordia os lábios e respirava profundamente. Helena percebia as movimentações e carícias de seus convidados, o que a insuflava cada vez mais no sentido de tomar coragem para agir conforme a natureza dionisíaca, se afastando dos conselhos de Apolo , apesar do medo de se tornar inoportuna, estragando aquela deliciosa situação de fantasia com um toque precioso, ou inoportuno, de realidade.
Tália, sem pensar e assumindo uma postura de ação, pergunta a Helena se é saudável reter um desejo tão intenso em nome da moralidade e das convenções sociais, e, para o espanto de seu marido, exemplifica a questão, criando uma hipótese travestida de realidade pura, palpável, pois, faz o grupo imaginar a situação de ela, sendo heterossexual, estar sentindo atração por sua anfitriã, o que feriria seu modo de conduta pessoal e muito das normas vigentes. Paira, então, um silêncio momentâneo, quebrado somente pela reacomodação dos três nas suas respectivas cadeiras.
Helena, tentando responder luxuriante hipótese, demonstra uma excitação tão perceptível que Tália ameaça recuar na investida, mas nada mais é capaz de parar o que se principiou. Afirma ser possível tal reação, desde que esporádica, não obsessiva e exclusivista, não seria lesbianismo ou perversão, apenas uma sensação inusitada que muitas vezes se originava em alguma fantasia não realizada, guardada sob a proteção e vigília rigorosa do superego.
Adônis já sentindo a incipiência de um clima incontrolável, propõe continuar a conversa em um lugar mais confortável. Helena sugere ouvirem música na sala, esta era muito aconchegante, cheia de sofás, além do que a noite era de lua cheia e a vista de lá era muito bonita. Tália insinua apagarem-se as luzes para que o brilho natural se encarregasse de pratear o lugar. Todos agiam no limite entre a fantasia e a realidade, ora passando para um lado, ora se entregando de todo ao outro.
Helena após colocar uma música instrumental vira-se para Tália e Adônis que estão lhe olhando de forma penetrante, e então se aproveita da situação e senta-se em frente ao casal, abrindo um pouco as pernas, não fala mais nada, simplesmente encarando os dois. Tália que se vestira com uma minúscula saia mostrava boa parte de suas pernas, pegou a mão de seu marido e levou-a até o seu ventre, depois desabotoa camisa dele, e começa a beijá-lo delicadamente no rosto, no peito, lambendo seu pescoço, apalpando seu sexo. Estes se levantam, se encostam e começam a dançar.
Helena fica totalmente tomada por aqueles encontros sensualíssimos de corpos. Não chegava a ser uma transa, mas guardava uma insinuação tão flagrante do ato, chegando a superá-lo em fascínio, em eroticidade.
A situação chegara ao ápice dos instintos, imperava sem oposição a lei das pulsões emocionais, não importava mais nenhum sentimento que não fosse a luxúria, o desprendimento a regras e condutas desprovidas de “pecados”. Mas, ainda, tinha mais porvir, e as chamas se mostraram deveras radiantes, quando Tália, irreconhecível, como uma bacante, sugere uma dança de seu marido com Helena.
Estes se aproximam e, ao iniciar a dança, Adônis delicadamente solta o vestido de sua nova parceira, despindo-a parcialmente, o corpo de Helena se mostra exuberante, uma visão de enlevo que, com certeza, Zeuxis, o grande pintor da Grécia antiga, encontraria inspiração para sua obra . Ele encosta seu rosto no dela, seus corpos semidespidos se tocam, a temperatura de suas peles esquenta, e ele a beija com ardor, sua boca, seu pescoço, seus seios.
Mas Tália, não consegue assistir passiva aquela cena, seu desejo é mais ávido, guloso, e sua completa desinibição faz-na se aproximar dos dois, se encostando atrás de Helena, roçando seus seios nas costas nuas de sua consorte da luxúria. Depois a puxa, virando-a, tomando-a de seu marido, e as duas passam a se beijarem, a se acariciarem, se despirem, em definitivo.
Adônis, totalmente aceso, entende o momento, com a lucidez de um homem no exercício inaudito da devassidão, sem limites, estimulado por um sangue que corria em suas veias, tal larvas de um vulcão em erupção, insaciável, indomável, forjando caminhos, trilhas inéditas de emoção. Afasta-se um pouco, mas muito pouco, a uma distância que o permite apreciar e ao mesmo tempo se envolver, sentir os corpos que se emaranhavam a sua frente, ao seu dispor.
Sentia-se como um favorecido pelos deuses, poucos homens tiveram a oportunidade de apreciar cena tão excitante, a beleza estética levada ao ideal, uma verdadeira obra-prima da natureza, os corpos de duas lindas mulheres pintados pela luz do luar, se tocando, se beijando, suspirando, um ar de lubricidade irretocável invadia o ambiente.
Todos estavam possuídos por um vigor selvagem nunca vivido por nenhum deles, e não havia mais espaço para nenhuma contenção, só o prazer instantâneo valia, só o impulso reinava. Os amantes dominados pela luxúria, tiraram, em definitivo, toda peça de roupa que ainda resistia, se revezavam em todas as variações que o desejo conseguia imaginar, que os corpos poderiam se submeter, não se sabia mais o que era grito, gemido ou sussurros, as únicas testemunhas eram a música, as esculturas, os quadros.
O sexo a três nunca fora tão glorioso como naquela noite, a primeira vez de cada um deles se transformara num banquete majestoso de orgasmo, de gozos ardentes, sentiram a inovadora sensação de se livrarem na íntegra do pudor, e foram assim, por horas a fio, na mais sedutora de todas as noites, no mais erótico de todos os sonhos, até adormecerem juntos, deitados nas almofadas da sala. Os deuses o fizeram viver como deuses, e isso bastava. Que mortal não gostaria de viver ao menos uma vez como os deuses?
O dia raiava insolente e intempestivo, pois precipitava um final que não devia chegar, os corpos ainda entrelaçados, esgotados, exalavam uma energia germinada da afeição carnal, da fulgurância do descompromisso, da paixão irresponsável. O cheiro de suor e sexo, em companhia do divino orvalho da manhã, compunham perfumes irresistíveis, inebriantes. Os encantos pretéritos vividos no ambiente agora sem penumbra da noite, sem o sopro da libido atiçada, marcavam um território que se sabia ter sido dominado pelo prazer.
Helena, então, abre os olhos e aos poucos vai se dando conta do ocorrido, procura alguma peça de roupa para se vestir, está ruborizada de vergonha. Ao seu lado, Tália, ainda dorme como uma deusa, nua, com feições límpidas, típica de quem está feliz e saciada. Adônis não se encontrava mais na sala, o que fez Helena ficar ansiosa, como se temendo sua aparição, na realidade ela não estava sabendo lidar com a situação.
O que era cômico, pois quantas vezes ela sonhara com uma noite de prazer dessas, quantos argumentos construiu de sorte a legitimar banquetes orgiásticos, onde a entrega total fosse a única regra a se respeitar, e o pudor uma fera a se abominar, alcançara seu sonho, chegando ao ápice do deleite, no entanto, agora, sentia-se constrangida, intimidada, querendo se esconder da verdade do dia seguinte.
Decide, então, tomar um banho, quando, de repente, aparece Adônis, já vestido e carregando as malas cumprimenta-a, de forma carinhosa e tranqüila, como que querendo quebrar o gelo e dar um ar de normalidade à situação, o que foi prontamente assimilado por Helena. Era tudo que ela desejava naquele momento, restaurar a normalidade. Ele afirma-a que já está perto da hora de viajarem e precisava acordar Tália.
Mas ao passar, próximo a Helena, ele volta-se para ela dizendo-lhe cordialmente para relaxar, para imaginar que tudo aquilo tinha sido um sonho, um belo e delicioso sonho, ele também tinha acordado assustado, e a melhor maneira de encarar todo aquele acontecimento foi imaginar um ardente sonho erótico, que jamais esqueceria, mas..... Helena se descontrai um pouco, até sorrir, dizendo-lhe que era uma boa idéia, não era hora de devanear, simplesmente propiciar um último conforto a seus apaixonantes hóspedes.
Adônis vai até sua esposa, acordando-a com um leve beijo no rosto, esta se levanta rapidamente, e Helena escuta quando ela diz ao marido que eles tinham feito uma loucura, este, porém, põe a mão em sua boca, carinhosamente, e diz-lhe para ter calma, estava tudo tranqüilo, apanha sua roupa e entrega-lhe. Pede-lhe para tentar ser um pouco rápida, pois o horário do vôo estava muito próximo e eles precisavam partir imediatamente. Ela pergunta, então, por Helena e ele responde-lhe, dizendo que ela tinha ido tomar banho.
Em poucos instantes, o casal está pronto para partir, Helena, enfim, aparece, já mais dona de si, e diz lamentar não ter tido tempo de servi-lhe um café da manhã eles agradecem-na pela estada em seu apartamento, disfarçando, como se nada tivesse acontecido, foi a melhor forma que os três encontraram, rapidamente, para facilitar a despedida. Helena beija-os, e diz-lhes que o seu apartamento sempre estará ao seu dispor (talvez ela não mais).
Tália a abraça, como se grandes amigas, e inesperadamente, diz-lhe, para espanto de seu marido, que tinha sido uma noite maravilhosa, inesquecível, talvez não quisesse repeti-la, no entanto, nada mais importava, ela tinha realizado uma antiga fantasia, e achava que a lembrança sempre seria prazerosa. Helena, simplesmente, balança a cabeça, concordando com ela, pois tendia a chegar à mesma conclusão.
Depois que o casal vai embora, Helena sorri, coça sua testa e sorri levemente, um pouco desnorteada, a espera de alguma resposta para o que vivera....
Ao acordar no dia seguinte, estranhamente, não se sentia tão afetada como no dia anterior, como se tivesse vivido um sonho interessante e deveras prazeroso, mas que, no fundo, nada mudara tanto depois daquela experiência.
Achou agradável a sensação que agora estava a viver, pois fora dormir na noite anterior como se algo muito marcante tivesse acontecido a ponto de mudar sua personalidade, seu jeito, seu comportamento. E na realidade ela conseguia se afastar daquela torrente emocional de uma forma leve e despreocupada, como se dissesse a si mesma, vivi, senti, adorei... E daí, estou de volta a meu antigo mundo, talvez não mais a mesma, mas quem consegue ser o mesmo depois de um dia de vida.
Lembrou-se da famosa assertiva de Heráclito (um homem não se banha no mesmo rio duas vezes, pois ele não é mais o mesmo, nem o rio), sentia na pele isso, mas o incremento que se pensava avassalador já começava a se diluir.
Vez por outra, a experiência era revivida em sua mente, e ela sentia um leve instante de prazer, como se a libido se ensejasse novamente, e cada vez que isso ocorria reforçava sua convicção de como é bom experimentar o inusitado, o diferente, e isso, num sentido mais amplo, pois Helena colhia amparo à sua idéia de que viver sentimentos fortes e alheios ao seu ambiente, ao seu limite social e individual, fortaleceria sua capacidade de discernimento e compreensão do ser, enquanto sua relação com a vida e o mundo que o circunda, que o invade.
É como se o ser humano se robustecesse de vida, ao experimentar, ao vivenciar o estranho. Isso, naturalmente, excluindo-se o grotesco, o que criaria, deste modo, um lastro psíquico, uma inteligência adquirida, para subsidiar o seu andar no mundo, sem bovarismo, sem sonhos que substituam a vontade de sentir na pele, um mergulho no real, na pura e intensa realidade.
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André Agra.
Acompanhamos Helena em sua aventura carnal com uma avidez que dificilmente assumimos à luz do sol. O mergulho experimentado por ela nada mais é do que um desabafo do próprio corpo contra a geometria imposta pela sociedade.
ResponderExcluirNão vejo um conto, enxergo um espelho, do tipo que afugenta os menos ousados; vejo caminhos, distâncias... poucos hão de cruzar tais fronteiras. Não apenas os limites dos desejos carnais, mas os limites abstratos, psicológicos, que bombardeiam as possibilidades do novo, do não-visitado.
Excelente!