quinta-feira, 2 de junho de 2011

Lilith: a primeira mulher de Adão e símbolo feminista!



Lilith, uma figura mítica intrigante, que a partir da metade do século XX (na esteira da Segunda Onda do Movimento Feminista) voltou à cena e foi usada como um dos símbolos representativos da mulher pós-moderna (nascia uma nova mulher)

Tratemos, pois, de falar um pouco dessa figura deveras interessante e rodeada de polêmicas, inclusive teológicas.


Lilith, comumente associada à rebeldia e a uma sexualidade insubmissa, chegou a encarnar a trangressão à ordem patriarcal e uma resistência inexpugnável à lei-do-pai (pensemos em termos de  do Gênesis e do Deus hebraico-cristão).



Para alguns estudiosos do mito (como Sicureti, por exemplo), Lilith teria sido “retirada ou removida dos textos bíblicos”.


No Zohar (comentário rabínico dos textos sagrados), a  aparição de Lilith, no Velho Testamento, se dá antes da criação de Eva, ou seja, Lilith teria sido a “primeira mulher de Adão”.

Segundo versões do mito lilith: quando Deus criou Adão, o "fez macho e fêmea, depois cortou-o ao meio, chamou a esta nova metade Lilith e deu-a em casamento a Adão. Mas Lilith recusou, não queria ser oferecida a ele, tornar-se desigual, inferior, e fugiu. Deus tomou uma costela de Adão e criou Eva, mulher submissa, dócil, inferior perante o homem" (essa narrativa nos leva a pensar nos seres esférifos descritos por Platão, no Banquete).


Como podemos observar Lilith (a Lua Negra) já no Éden exigiu a igualdade de direitos. É nessa "condição mítica", a qual podemos falar numa primeira tentativa de equiparação de gênero, por isso, possivelmente, Lilith veio a se transformar em símbolo feminista.

Entre suas exigências estava a de "copular por cima", o "deitar-se por cima" do parceiro, algo inaceitável para Adão (a suposta supremacia do macho de configurava também na relação sexual).

"Segundo as versões aramaica e hebraica do Alfabeto de Ben Sirá (século 6 ou 7). Todas as vezes em que eles faziam sexo, Lilith mostrava-se inconformada em ter de ficar por baixo de Adão, suportando o peso de seu corpo. E indagava: "Por que devo deitar-me embaixo de ti? Por que devo abrir-me sob teu corpo? Por que ser dominada por ti? Contudo, eu também fui feita de pó e por isso sou tua igual." Mas Adão se recusava a inverter as posições, consciente de que existia uma "ordem" que não podia ser transgredida." (ref. internet. A).

 
"A insujeição dessa mulher cheia de sangue e saliva" foi decisiva para o seu destino. Para Sicureti, o sangue menstrual e a saliva estariam relacionados simbolicamente ao orgasmo.

Pois bem. Por não aceitar se submeter a uma “ordem natural” - confundida com as normas patriarcais - Lilith termina por abandonar o Éden. E nega-se a voltar "a despeito" da vontade de  Deus.


Interessante observar o simbolismo do ato. Primeiro, há uma evidência clara  de não haver lugar no contexto patriarcal para uma relação igualitária entre os gêneros. Segundo, há no mito um ato de desobediência corajosa e idealista.


Por consequência, Lilith foi  transformada por Deus em demônio (sexual). Seria esse "caráter demoníaco" (com todas as ressalvas possíveis) que levaria "a mulher a contrariar o homem e o questionar em seu poder".

E causaria ainda doenças corporais, pertubações psíquicas,  abortos...além de atacar sexualmente os homens à noite, entre inúmeras outras lendas a seu respeito que tanto circularam na Antiguidade e Idade Média.

Nas tradições Egípcias e Mesopotâmicas chamavam-na de "sedutora de Adão e rainha dos súcubos".  Lilith foi ainda associada à Deusa-Mãe, e mesmo a uma prostituta divina (como personificação da deusa Ishtar.


Não resistimos, pois, à tentação de associar o simbolismo de Lilith contrastando com a construção da moral sexual defendida pelo cristianismo, em particular no tocante à mulher (esse aspecto, consoante nossa linha de pesquisa, é o que mais nos interessa no mito Lilith).

Ora, toda essa insubmissão perante a uma ordem patriarcal divina e a sua potente força feminina fê-la se aproximar mais de um modelo de mulher defendido pelas lutas feministas, em particular com relação à liberdade sexual pregada pelos movimentos pós-68.

Toda essa simbologia alimentou as representações das mulheres num contexto de início de saturação do patriarcado e da supremacia do homem (do macho), com implicações importantes nas novas relações de gêneros no mundo contemporâneo.

Surgiriam assim símbolos como Brigitte Bardot (1968), Leila Diniz, Madona, a própria Carla Bruni Sarcozy, e mais recentemente Lady Gaga, como muitas outras, espécies de representações de Lilith (pelo menos em alguns de seus aspectos).

Leila Diniz, por exemplo, quebrou tabus de uma época em que a repressão dominava o Brasil, escandalizou ao exibir a sua gravidez de biquíni na praia, e chocou o país inteiro ao proferir a frase: "transo de manhã, de tarde e de noite".


A atriz francesa Brigitte Bardot, nos idos dos anos 60, distanciava-se dos símbolos católicos (e marianos), tal qual Lilith, exporia uma espécie de transgressão da imagética feminina do auge da era burguesa, inclusive em termos de sexualidade. Doravante, de seu prazer, considerado, a partir de então, legítimo.

No Brasil, particulamente, quanto à liberdade sexual, vale a ressalva de Zuenir Ventura. Em sua obra 1968 o ano que não terminou, o autor faz uma alusão interessante sobre a realidade da revolução sexual no Brasil, para ele mais "uma explosão de vontade do que de realizações", e provavelmente, segundo, suas palavras, "se falava mais e se escrevia mais do que se fazia sexo".

Outros exemplos de Lilith, na literatura, seriam: Emma Bovary (Flaubert, 1853-1856) e Anna Karenina (Tolstoi, 1873-1877), ou mesmo Capitu, em Dom Casmurro, não obstante, nessas últimas o surgimento de um sentimento de culpa em função do “eterno” dilema sobre a infidelidade.



Todas elas parecem reviver ou ter revivido de uma forma ou de outra a aura emanada da lua negra e de seus anseios de igualdade irrestrita, um golpe indigesto ao mundo patriarcal e intolerável a ala mais conservadora das religiões majoritárias.

Nosso raciocínio de tentar aproximar Lilith da mulher pós-moderna diz respeito à quebra dos paradigmas patriarcais.


Interessante observar na sua iconografia (no sentido de linguagem visual), Lilith aparece repetidas vezes nua e com extensa cabeleira solta. O “estar solto” poderia sugerir a sensação provocante de liberdade e de sensualidade, atributos proibitivos à mulher (por muito tempo).

Na lenda de Parsifal, contada por Joseph Campbell, vem à tona esse aspecto dos cabelos soltos (como os de Lilith).

Quando ela volta ao castelo,
após ter despachado o cavaleiro vencido,
sua pequena anfitriã prendera
o cabelo para cima,
como faz uma mulher casada.


Sobre esse aspecto, Desmond Morris, um estudioso do corpo da mulher, fala-nos do "ar de controle" percebido quando uma mulher usa o cabelo colado ao crânio (amarrado).


Diz-nos Morris: Os cabelos presos "as torna menos femininas e evita passar a impressão de relaxamento ou liberdade. Sem um fio fora do lugar, os cabelos não podem ser depenteados ou acariciados. Isso as faz parecer literal e metaforicamente impecáveis, inacessíveis e intocáveis."

No fundo, trata-se do incômodo causado por tudo que se relacionasse ao corpo da mulher, ao seu prazer. Algo considerado perigoso, que poderia conduzí-la às torpezas, aos desejos proibidos, ao "pecado abominável da carne".


..........Continua .....

Livros:

1)A Lua Negra, Sicureti.
2)1968 o ano que não terminou, de Zuenir Ventura.
3)Mito e o corpo, Stanley Keleman.
4) A mulher nua, Desmond Morris.

Fontes internet:

A) http://culturahebraica.blogspot.com/2009/07/origem-mistica-de-lilith-primeira.html


6 comentários:

  1. Caro Andre, apesar de conhecer o mito , fiquei maravilhado com seu trabalho ai, você se superou. Parabens!!

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  2. Cara vc disse -uma ordem patriarcal divina- alegando que a Inteligência Divina é macho?
    Só falta vc dizer que é isso mesmo,pq ai eu vou te falar que vc pode conhecer de mitos, masde quem te criou vc não conhece nada.

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  3. Que maravilha de artigo, revela que o mito não morre e está presente nas sociedades modernas.

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  4. Quando usamos o termo "ordem patriarcal divina" nos referimos às religiões abraâmicas (Judaísmo, Islamismo e Cristianismo) nas quais não é incomum se observar uma tendência a centralizar o poder em torno da figura do "Pater", pelo menos segundo as leituras mais ortodoxas.

    No entanto, agradeço a crítica e acato-a com naturalidade. Obrigado

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  5. Parabéns pelo excelente trabalho

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