segunda-feira, 18 de abril de 2011

Os gregos e a moral sexual cristã

   (Esse é um texto complem. do tema moral sexual cristã, tratado em outros textos desse blog)

Ao falarmos em moral sexual no ocidente cristão, somos quase intimados a retroagir à Antiguidade Clássica.

Ora, pensar na doutrina moral católica é também pensar um pouco (ou muito) em grego (parece estranho mas não é!).  

Contudo, concentraremos nosso estudo no estoicismo, em razão de sua notável austeridade com relação à sexualidade e de sua presença bastante disseminada na sociedade dos primeiros séculos da Era Cristã.
Em especial, nos meios mais cultos da aristocracia romana. 

Não podemos deixar de enfatizar sua profunda influência no pensamento dos primeiros cristãos (cristianismo primitivo).

Essa escola teria florescido na Grécia, presume-se a sua fundação a partir de Zenão de Cício, na segunda metade do século IV a.C.

O seu nome advém do costume do filósofo cipriota em difundir os seus conceitos num dos pórticos da cidade - do grego stoá; daí o termo estoicismo (Bertran Russel).

O estoicismo é considerado o mais influente entre os movimentos filosóficos da Idade Helenística, sua doutrina ao lado da aristotélica seriam as duas grandes influenciadoras da história ocidental e do cristianismo.

Sua ética rigorosa (do dever ser) aliada a uma  disciplina inconfundível inundaram os valores dos primeios cristãos (cristianismo primitivo). Notem que ainda hoje, é possível se atribuir a uma pessoa austera o termo estoico.


Curioso que os estoicos sustentavam - malgrado a existência comum de escravos à época - a igualdade entre os homens e a fraternidade humana (Bertran Russel).


Conceitos um tanto raros ao seu tempo - e que nos séculos primeiros da Era cristã, seriam atributos importantes da doutrina pregada pelo cristianismo.


No arcabouço doutrinário do estoicismo, a tríade ética/moral/virtude criaria, em tese, as condições necessárias para atingir um ideal de felicidade alheio a tudo que fosse do mundo sensível e material. Inclusive, o corpo!


Para eles um mal (o corpo) perturbador da serenidade da alma, característica de certa forma semelhante a visão de mundo dos monges do deserto (monaquismo).

Para tanto, o autêntico estoico deveria ser ascético, renunciar a paixão, ser imperturbável e dispor de coragem no enfrentamento das adversidades da vida.


Sem lastimar-se, nem culpar aos deuses ou ao destino por sua condição de vida, seja ela “boa” ou “má”.

Uma ideia próxima, talvez, do amor fati nieztcheneano. Essa paciência com a vida mais tarde viria a constituir um elemento essencial à doutrina adotada pelo cristianismo de tradição católica.


Mas falar em estoicismo é falar necessariamente nos cínicos. Filósofos ainda mais austeros do que os estoicos. O cínico seria uma espécie de estoico mais radical.

Entre eles se destacava Diógenes - um personagem cercado de uma mítica quase utópica ante a perspectiva de alguns gregos de se tornarem homens de pureza ascética inatacável. Diógenes teria sido um grande influenciador de Zenão e seus seguidores.

Notável o simbolismo dos acontecimentos que envolvem a vida de Diógenes, sejam eles fatos históricos ou não, pois sua imagética transcende os tempos e trás à baila o anseio atemporal de muitos ascéticos de atingir uma simplicidade quase divina, como o fez São Francisco de Assis, por exemplo.


Em meio a essa rica constelação de imagens inerente à vida de Diógenes, destacaríamos o seu encontro com Alexandre Magno (descrito por Plutarco): «Diógenes deitado ao sol ver chegar uma multidão, levanta o olhar e o fixa no grande conquistador macedônio.


Alexandre cumprimenta-o e pergunta-lhe se precisa de alguma coisa: sim – responde Diógenes – afasta-te um pouco de meu sol».


Segundo Plutarco essa resposta impressionaria tanto Alexandre em razão da grandeza da alma suscitada por esse homem em contraste ao desprezo por uma figura de sua magnitude, que, mais tarde, ao ouvir seus oficiais zombarem de Diógenes teria afirmado: «se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes».


Na realidade, ao escarnecer Alexandre, conforme a perspectiva de Montaigne, o filósofo estaria a zombar das vaidades humanas (como bem o faz Hamlet). Nisso, nos parece, haveria todo um simbolismo de desapego e auto-suficiência impressionante em relação ao mundo.


E corrobora com isso as descrições de sua morada mítica, ou seja, o filósofo viveria numa espécie de barril, como um cão, e com pouquíssimos bens para si.


O comportamento paradigmático atingido por Diógenes respingaria nos estoicos e em muitas figuras de destaque do mundo antigo.



Sêneca, por exemplo, diria ser vergonhoso amar a esposa em demasia, com muita paixão (Uta Ranke). Uma afirmativa que encontraria eco na moral sexual católica que por muito tempo considerou o amor apaixonado pela esposa um adultério.


Para Sêneca, o afastamento da sexualidade e da contenção dos prazeres seria uma das principais metas de uma vida dignificante.


Vulcano surpreende Vénus e Marte


Michel Foucault demonstraria, em História da sexualidade, uma perceptível suspeição com o prazer e a insistência relativa aos efeitos de seu abuso ao corpo e à alma desses gregos ligados à escola estoica.


Por isso, sua posição categórica quanto ao desejo (cupiditas) percebido como uma perda do poder de si sobre si, «perda da faculdade de julgar, ou melhor, a doença do juízo».


Especificamente com relação ao corpo, o estoico o teria apreendido como fonte do mal, mas não seria o mal em essência. Para eles, o mau uso do corpo é que poderia gerar malefícios à busca da virtude. Porém, ele em si não estaria necessariamente maculado, manchado, como defenderiam tantos cristãos, com relação ao pecado original.



Interessante nessa discussão que Platão, em seus Diálogos, e a despeito de sua concepção essencialmente dualista (uma antítese da carne/espírito), perceberia o corpo como os estoicos, no sentido de ser fonte do mal a partir de seu uso e não de sua essência, podendo, ainda, se tornar fonte do bem.

Em sentido diverso se posicionaria o pensamento neoplatônico. Para eles o corpo seria associado de modo intrínseco ao mal, algo inerente ao seu âmago, de sua natureza.

Uma percepção que migraria para o cristianismo, deixando marcas profundas, em especial a partir das ordens monásticas.


Esse discernimento filosófico sobre o mal e o corpo é de suma importância para o estudo da moral sexual dentro da tradição católica, em função da influência sofrida por Santo Agostinho, um dos mais importantes pensadores cristãos (continuaremos).


Trecho adaptado do Livro: "Moral Sexual: a mulher pós-moderna no Confessionário", de André Agra.