domingo, 4 de julho de 2010

"Virgindade": um tabu para as mulheres católicas?


Apresentaremos nesse texto pesquisa relativa ao tema "virgindade sexual" da nova mulher nordestina.

Entretanto, não pretendemos discutir, por enquanto, a "virgindade" sob o ponto de vista da teologia e da moral.

Ou seja, não tentaremos compreender, nesse momento, questões como a proeza teológica dos monaquistas (os famosos Monges do Deserto) em conceberem o mito de um homem e uma mulher sem vida sexual no Paraíso (antes da Queda), “induzindo-nos” a imaginar a "virgindade" como o verdadeiro retorno à natureza edênica (do Éden).


Aliás, essa tese dos monges do deserto foi combatida, já nos primeiros séculos, por Santo Agostinho. No entanto, ela (a tese monaquista) não deixaria de jogar mais infâmias à sexualidade e mesmo ao casamento (um estado potencial para se desvirtuar a verdadeira natureza: a vida casta e virgem) (J. Delumeau).

Falaremos em texto futuro dessas sementes as quais foram lançadas no terreno ocidental e fertilizaram, fazendo com que houvesse uma valorização desse "atributo" (a "virgindade"), especialmente,  no contexto do catolicismo. 

Também adiaremos um pouco a discussão de uma possível influência, ou não, no comportamento sexual das mulheres católicas, em termos de castidade e virgindade, relacionadas à imagem e à constelação de valores em torno da Virgem Maria .


Por ora, interessa-nos simplesmente expor alguns resultados de entrevistas realizadas com 100 mulheres nordestinas relativas ao tema moral sexual e religiosidade, em particular sobre o "tabu da virgindade".

Os grupos de mulheres foram divididos em três: 1) católicas praticantes não carismáticas, 2) católicas praticantes carismáticas e 3) mulheres educadas no catolicismo, mas hoje afastadas da Igreja (instituição). Isso em cinco cidades nordestinas (João Pessoa, Campina Grande, Natal, Recife e Salvador).Pois bem, passemos aos números:


No grupo das mulheres afastadas do catolicismo, foi observada uma desvalorização relativa da virgindade. A sua grande maioria afirmou não mais valorizar esse "atributo" (84,00%).



Com relação ao grupo das católicas praticantes, 54,55 % delas distanciam-se da premissa defendida pela orientação da Igreja, ou seja, para elas a virgindade, apesar de ainda ser um ponto valorativo para mulher católica, parece apresentar sinais evidentes de fragilização.

Era como se a mulher buscasse respirar sua liberdade sexual sem tanto medo de emergir, de fazer-se notar, a despeito da religião e da tradição.


Somente as católicas carismáticas apresentam um percentual de valorização da virgindade alto, quase 80 % dessas mulheres, segundo a pesquisa, veem a virgindade como um "atributo" importante.
Interessante, todavia, observar que em entrevistas realizadas com mulheres carismáticas do grupo Shalom (13) - um segmento católico mais conservador, do ponto de vista de moral sexual - o percentual de valorização da virgindade chegou a 100%.

Pareceu-nos que a importância atribuída à virgindade, detectada nesse grupo, não derivaria puramente de uma tradição ou obediência cega à Igreja, mas reforçava sua percepção teológico-doutrinária sobre o uso do corpo.


Para elas, o corpo da mulher por ser um templo de atuação do espírito santo somente estaria apto a se unir a outro corpo (no sentido sexual) em condições particulares, ou seja, quando houvesse um amor mais próximo à Ágape que a Eros, no sentido lhes atribuídos na Carta Encíclica: Deus caritas est (de BENTO XVI).


Além da necessidade de legitimação do ato, isto é, era condição essencial a consagração através do matrimônio. Como consta no Catecismo, ou seja: «a união do homem e da mulher no casamento é uma maneira de imitar na carne a generosidade e a fecundidade do criador ».

Não obstante, a idealização e poética advindas de suas palavras, podemos dizer que nos sentimos surpreendido pelo nível de resposta e confiança de sentimentos com relação ao ato sexual.



Quando abordamos o tema ingresso no matrimônio virgem, o percentual em todos os grupos aumentou na direção de desvalorização dessa condição.

Isso se explicaria, segundo as entrevistadas, porquanto mesmo as que valorizam a "virgindade" - ou lhe atribui certo valor – não afastaram a possibilidade ou “necessidade” de conhecer o parceiro sexualmente antes do casamento.

Por isso, não identificam problemas sérios em manter relações sexuais, especialmente, se essas acontecerem com os “futuros maridos”, ou seja, se houver realmente a presença de Eros (talvez melhor seria usarmos o termo Ágape, por se tratar de uma comunidade católica), salvo novamente as mulheres do shalom, as quais defendem a virgindade até o sacramento do matrimônio.



Nesse caminho, a pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) sobre o pensamento da juventude católica em relação à sexualidade e reprodução, já citada neste trabalho, «detectou que 79% dos jovens não concordam com a determinação da Igreja que só se pode fazer sexo depois do casamento ».



Margem essa que se aproxima dos dados coletados nesta pesquisa com relação à amostra total que apontou 72 % de mulheres que não consideram importante ingressar no matrimônio virgem. Mas destoa diametralmente das respostas oferecidas pelas carismáticas, para as quais 75 % valorizam essa condição.

Notável a discordância entre as mulheres afastadas do catolicismo e as carismáticas, em termos de virgindade e ingresso no matrimônio virgem. Pensamentos dicotômicos sobre o que é o corpo para a mulher contemporânea.

Enfim, nossa pesquisa sugeriu que há sim uma influência detectável da religiosidade no comportamento sexual, na moral sexual, melhor dizendo. E, entre grupos mais conservadores de mulheres católicas, a virgindade é ainda um "tabu" a despeito do hedonismo contemporâneo e da liberdade sexual dos tempos pós-modernos.


Fontes: O pecado e o medo no Ocidente, Jean Delumeau; Moral Sexual: a mulher pós-moderna no confessionário (dissertação de mestrado), André Agra; História do Corpo, volumes I, II e III; Carta Encíclica: Deus caritas est (de BENTO XVI).