terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Razão e Emoção: a luta de Dionísio e Apolo na Pós-modernidade.



O conceito de pós-modernidade  traz em suas entrâncias uma interessante discussão a respeito da (re)valorização de atributos em torno da emoção, da imagem e da afetividade (pensamos a pós-modernidade a partir do ano revolucionário de 1968).

Esses valores, agora em ascensão, foram por muito tempo  “esquecidos” (ou quase esquecidos) e também pouco considerados quando se tentava compreender o social.

No fundo, tudo que se relacionava à imaginação, aos mitos (tratados como fantasias) e ao subjetivo deveria ser forçosamente “racionalizado” (reduzido a um dado material), diminuído o seu valor ou simplesmente excluído do processo de compreensão.


O tecnicismo científico na realidade tentou impor, com arrogância, suas leis universais, sua lógica (como se suas leis não se baseassem também em crenças!). Restando à emoção (ao subjetivo) se contentar com as “trivialidades” da vida.




A emoção seria quase um sinônimo de fraqueza. O imaginário um sentimento infantil e a própria crença em Deus algo a se perder no tempo. 



A religiosidade como uma experiência individual abstrata, subjetiva, estaria fadada  ao desaparecimento, segundo o pensamento os soberanos da razão materialista.

Nietzsche chegou a afirmar a morte de Deus. Freud, apesar de valorizar a emoção e a imagem, pretendia racionalizar ao extremo a psique humana. E Marx idealizou uma sociedade perfeita sob a autoridade de um planejamento racional impecável. Estamos citando os três pensadores mais influentes do século XX.

Nesse contexto, não haveria um lugar merecido para o subjetivo em si, para o abstrato, exceto, na arte.


Era como se Dionísio (deus do irracional, da emoção, do vinho e das orgias) tivesse sido forçado a adormecer no tempo, permitindo a consagração do reinado de Apolo (deus da razão).

Grosso modo (e sem tanto rigor histórico), essa filosofia de pensamento se estabeleceu (e ainda é muito forte) desde a Renascença até meados do século XX e foi a base da sociedade ocidental moderna.

Um pensamento que apostou num progresso linear da história (haveria um progresso contínuo das sociedades até a formação de espécie de sociedade perfeita) e no domínio da natureza pela ciência.


Uma sociedade plenamente laicizada, afastada da religião e de seus mitos, assim sonharam os revolucionários franceses e os socialistas utópicos.

O termo “mito”, inclusive, se tornou sinônimo de inverdade, algo ainda presente em nossos dias.

Não precisamos de tanto esforço para "desmascarar" esse sonho “encantado” da razão.

Ora, na nossa sociedade, ainda persistem injustiças abismais, a fome impera em muitas regiões do mundo, ferimos gravemente a natureza e as nossas metrópoles são muitas vezes insuportáveis.

Em suma, o futuro não aconteceu como fora pregado. As promessas não se realizaram plenamente, longe disso.




Enfim, as duas grandes Guerras Mundiais abalaram "definitivamente" esse “formato” de pensamento e minaram as crenças na razão como formadora de uma sociedade perfeita.



Resulta, ainda, desse processo (baseado numa moral do dever-ser) a consagração do espectro do individualismo moderno. Com isso, estabeleceu-se uma crise da solidão (a tortura existencialista de nossos tempos).




Uma insegurança com o futuro atroz (talvez por isso se busque hoje viver o presente com tanta intensidade) e muito mais.

Era como se tivéssemos perdido a confiança nas grandes promessas, nos grandes sistemas (incluindo-se a Igreja e o Estado). As instituições tradicionais despertam suspeitas nos jovens.



Para pensadores pós-modernos como Edgar Morin, Gaston Bachelard e Michel Maffesoli esses são sinais claros de esgotamento desse modelo de pensamento (cartesiano-iluminista).


Do ponto de vista religioso. Se, por um lado, teria havido uma espécie de esvaziamento das Igrejas (na Europa, isso é perceptível). Por outro, nas últimas três décadas dos séculos XX, a um ressurgimento de movimentos religiosos, os neopentencostais (incluindo-se os carismáticos) e a Nova Era demonstram bem isso.


Mas observem que esses movimentos são bem mais emotivos do que teológicos, ou seja, mais emoção do que razão. Compare, por exemplo, as missas rezadas em latim com as missas atuais ou com os shows de Padre Fábio Melo. O mesmo se dá nos segmentos evangélicos.


O mito está sendo novamente valorizado (vejam os filmes, os livros: isso é bem claro), o mesmo acontece com o imaginário e o coletivo (os eventos de massa são prova disso).


O próprio individualismo moderno vê-se abalado com essa vontade se unir, de juntar-se (ex. as Raves, as missas shows, os eventos esportivos, as redes sociais, orkut, facebook etc).

Mas nada disso significa pensar-se na morte da razão, ao contrário, Mafessoli, por exemplo, fala em uma razão que se torne mais sensível e menos autoritária.

Por isso, apesar de vivermos um suposto tempo dionisíaco (de intensas emoções) a razão apolínea tem seu espaço e vez. E isso nos parece inquestionável....

(No próximo texto abordaremos esse conflito Dionísio versus Apolo em termos de moral sexual, do feminino e da Igreja Católica.)





Referências: Michel Maffesoli, Gilbert Durand, Gaston Bachelard e outros.